Acho bem quando se comemora a data de nascimento de uma individualidade e não a da morte, como por vezes acontece. Não temos nada que comemorar a sua perda! Mas sim homenagear o dia em que veio ao mundo, porque a humanidade tornou-se a partir daí mais rica.
Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888. A data não foi esquecida, porém também, a meu ver, não foi devidamente bem lembrada. É que estamos simplesmente a falar de um dos maiores vultos de sempre da literatura! Um património universal.
Tudo em Pessoa é fascinante, não só o legado. Penso que quem lê a obra também se interessa em descobrir o vulto por detrás da pena que a escreveu. Fernando Pessoa foi o oposto do que deixou escrito: cinzento, alienado, invisível. É isso que o torna ainda mais magnético.
Como pôde um entediante funcionário público, dependente do alcool e introvertido ter produzido tamanho tesouro? O fascínio está mesmo aí! Não somos o que parecemos. Somos... o que somos. Muito mais. Somos icebergs.
Pessoa deixou-nos a incomensurável riqueza do seu complexo ser em palavras. E é daquelas heranças que contribuiram para tornar o mundo melhor. Como? Perguntem a cada pessoa que teve a sorte de o ler, se isso não mudou de alguma forma a sua vida...
O fatalismo desta realidade é que, em vida, ninguém lhe prestou as homenagens merecidas, não ouviu um simples obrigado, não recebeu os prémios a que tinha direito como actualmente vai acontecendo com outros vultos como Saramago, Lobo Antunes...
Pessoa morreu pobre, dependente da bebida, solitário. Isso deveria fazer-nos sentir endividados em relação a ele.
Não sei como agradecer-lhe, talvez dizendo que ele me tornou muito rica por dentro, um ser mais colorido.
Da obra dele gosto de tudo, mas a Mensagem mexeu sempre comigo de forma especial. Sei alguns poemas de cor. E vêm muito a propósito nesta altura, em que queremos formar um Quinto Impérito (futebolisticamente falando, claro....)
O Infante
Deus quere, o homem sonha, a obra nasce,
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
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O Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa -
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade.
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O Mostrengo
O mostrengo que está no fundo do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: "Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo:
"El-Rei D. João Segundo!"
"De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!"
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Mar Portugês
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Não os vou publicar todos senão o post fica enorrrrrrme. Deixo aqui o link com todos os poemas de Mensagem.
1 comentário:
E é uma mensagem que continua a fazer sentido. Continua a ser um retrato de nós. Gostei do post.
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